O nome Sefarad já aparece na bíblia por volta do ano 700/800 aC. Quando o profeta Obadias escreve:
Os cativos deste exército dos filhos de Israel possuirão os cananeus até Zefarate; e os cativos de de Jerusalém, que estão em Sefarade, possuirão as cidades do Negeve”(Ob. 20). Em outras palavras, o termo em hebraico “sefarad” corresponde a região onde está localizada a Espanha atual. Negeve quer dizer em hebraico “sul”.

Assim, podemos entender que esta profecia ainda não se cumpriu e que os judeus sefaraditas deverão ocupar as planície do sul do Estado de Israel. O termo sefardita hoje corresponde a todo judeu que teve sua ascendência na Espanha e de lá foram para Portugal, Brasil, Turquia, Marrocos e norte da África. A população da comunidade judaica chegou a representar mais de 20% da população ibérica.

Os judeus cresceram e prosperaram durante séculos. Dominavam a ciência, a medicina, a astronomia, a matemática, o comércio e deram origem aos primeiros banqueiros para empréstimos de dinheiro, inclusive para o próprio Estado.

No ano de 1478, no dia 1º de novembro, o papa Sisto IV assinou a bula “Exigit sincerae devotionis affectus” ), através da qual foi fundada uma nova Inquisição na Espanha. Esta bula se referia às petições dos Reis Católicos, enfatizando normas quanto a difusão das crenças e dos ritos mosaicos entre os judeus convertidos ao cristianismo em Castela e Aragão, ao mesmo tempo, autorizava os reis a nomear três inquisidores.

Estes inquisidores eram de alto nível intelectual, pois incluíam prelados, religiosos ou clérigos seculares com mais de quarenta anos, bacharéis ou mestres em teologia, além de licenciados ou doutores em direito canônico. Eles deviam atuar nas principais cidades do reino e nas dioceses. Em outras palavras, iniciou-se uma prática regular que confirmava e legitimava a Inquisição espanhola como um tribunal eclesiástico, funcionando com poderes delegados pelo papa.

No início, era modesto o estabelecimento da Inquisição em sevilha. A detenção de centenas de acusados durante o primeiro mês de atividade, entre os quais se encontravam os cristãos-novos, ou seja, aqueles judeus que eram obrigados a renunciar sua fé judaica para assumir, publicamente, a fé católica, tornando-se, assim, um novo converso. Daí o nome cristão-novo para diferenciar daquele que já era católico, o cristão-velho.

Entre os cristãos-novos encontravam-se os mais ricos e nobres da cidade. Mas, muitos entre eles fugiram para outros países, como Itália, Portugal e Norte da África, evitando assim os tribunais da Inquisição que julgariam aqueles “rebeldes” de crime de infidelidade, heresia e apostasia ao sistema de Roma. Cada mês que se passava, novos inquisidores iam sendo nomeados, aumentando o cerco contra os judeus.

A situação agravou-se ainda mais quando na noite do dia 13 de março de 1490 foi assassinado o Inquisidor-Mor Pedro de Arbués na Catedral de Saragoça. No dia seguinte a ordem era: “ Fuego los conversos que han muerto al inquisidor”. Os responsáveis pelo homicídio foram executados e esquartejados e o inquisidor assassinado tornou-se um santo mártir.

O ódio e a perseguição se acentuava cada vez mais contra os judeus “conversos”. Alguns realmente se convertiam ao catolicismo. Outros diziam conversos e continuavam os ritos e a prática do judaísmo de forma oculta e secreta. Eram os criptojudeus. E a maior parte, recusava-se a aceitar a conversão forçada e fugiram para outros países.

Este assunto foi tão levado a sério que o espaço compreendido por esta minha pesquisa vai da península Itálica e da península Ibérica até os territórios ultramarinos dos impérios hispânicos que foram submetidos à jurisdição inquisitorial em matéria de delitos de fé. A Inquisição na Espanha iniciou-se em 1478 e foi até 1834. Em Portugal ela se estende propriamente dito de 1536 a 1821 e a Inquisição Romana ( reorganizada) em 1542 e abolida em 1746 e em 1800 no quadro de diversos Estados Italianos.

No Brasil, compreendeu o período de 1591, quando nosso país recebeu pela primeira vez a visita do Inquisidor oficial da Corte Portuguesa, até 1821. Mas, se considerarmos que desde o descobrimento os judeus aqui chegaram já em número significativo nas expedições do judeu Fernando de Noronha em 1503, podemos afirmar que o período inquisitorial no Brasil durou mais de 300 anos.

A expulsão dos judeus da Espanha
Nos séculos treze e quatorze, até ao século quinze, a igreja católica crescia e com isto a pressão sobre a conversão dos judeus também crescia. Em outras palavras, para os judeus ser batizado e aceitar o catolicismo era sinônimo de garantir um futuro aparentemente seguro, mesclando-se com os mouros, visigodos, fenícios, romanos e celtas que também habitam na Península Espano-Portuguesa. Assim, um filho de cristão-novos já nascia e vivia alheio às tradições e costumes judaicos. A história nos mostra que netos e bisnetos dos judeus conversos acabam se tornando frades e padres, pois abraçavam a religião com grande obstinação, fato este peculiar à raça hebréia. O famoso padre Vieira que fez parte da história do Brasil é um exemplo desta assimilação.

Os judeus sefarditas começaram sofrer um processo assimilativo, tornando-se cidadãos comuns, assassinando suas raízes judaicas, abandonavam a celebração do Shabat e passavam-se a freqüentar as missas de Domingo, quando não se tornavam também filhos de Maria. Mas, isto não acontecia com todos aqueles que se tornavam cristãos-novos. Uma boa parte assumia o cristianismo somente como faixada externa e acabavam se tornando o chamado “católico relapso”, passando apenas pelo batismo e daí para frente não assumia nenhum compromisso.

Grande parte destes judeus vieram mais tarde para colonizar o Brasil. Até hoje em nossa sociedade este tipo de católico é muito comum em nossa sociedade. E, finalmente, uma outra parte não significativa praticam o criptojudaísmo, não assumindo interiormente a fé católica. Estes é quem foram vítimas dos processos inquisitoriais. A terminologia pejorativa de “marranos”, que quer dizer porco marrão, era atribuído a estes criptosjudeus.

Meados do século quinze começa a surgir na Espanha sintomas de causa e efeito das chamadas conversões forçadas. O elemento judeu converso tornava-se um “problema” cada vez maior para Estado, pois passaram a ser um perigo disfarçado. O povo espanhol sabia que muitos deles eram convertidos superficialmente, no intuito de receberem proteção, direitos sociais e econômicos disponíveis aos cristãos.

Um fato historicamente marcante aconteceu quando aconteceu quando surgiu o Torquemada, grande perseguidor dos judeus e confessor da rainha Isabel da Espanha. Isabel casou-se, então, com o rei Ferdinando Aragão em 1469, de Portugal. O trio da crueldade estava formado e dez anos mais tarde os reinos estariam unidos, tendo uma causa comum, a Inquisição.

Neste período havia vários decretos proibindo o judeu converso a ocupar cargos públicos, bem como de usar ou valer-se de qualquer outro privilégio do Estado. A partir de 1480 o trio Torquemada, Ferdinando e Isabel puseram em prática certas táticas de inquisição contra os judeus e conversos, instituindo os chamados “autos de fé”, levando esses a uma degradação desumana, mostrando seu lado covarde e perverso.

Surgia nesta época artefatos engenhosos para os mais variados tipos de tortura contra. Os pobres não tinha outra alternativa do que ir para a tortura, declarar-se judeu e optar pela confissão da fé católica, escapando-se da morte. Os mais ricos a pena poderia ser computada sob a égide de uma fiança exorbitante. Várias proibições surgiram na época, como, os profissionais não poderiam exercer suas funções de médico, advogado, tão pouco usar jóias de ouro, prata, nem seda ou até mesmo deixar a barba crescer. Não podiam receber dinheiro nem mercadorias de qualquer espécie.

Realmente, os judeus viveram maus momentos no período que foi de 1480 até 1492. Neste doze anos a miséria da comunidade judaica espanhola foi exposta a ridículo. Já se havia uma emigração deste povo para Portugal, onde a situação para estes judeus era mais amena. Finalmente, o Decreto de Expulsão dos judeus de Espanha ocorreu em 31 de março de 1492 promulgado pelos reis católicos.

A Espanha foi envolvida por uma consciência de nacionalidade; a mácula da invasão, que por mais de sete séculos lhe infamara o solo, desaparecia, e assim, orgulhosa da sua força, entendeu ficar ela só, e, depurada de estranhos elementos, preparar altos destinos à sua raça. Aos que tinham esta compreensão dos acontecimentos, a expulsão dos judeus, em seguida à dos árabes, aparecia como emancipação necessária.

Assim,os Reis Fernando e Isabel, renegando o proceder dos primeiros tempos do seu reinado, e tendo ordenado a expulsão, praticaram não só um ato de fanatismo sob a égide de obedecerem à imposição do sentimento nacional.

A repercussão no reino vizinho foi imediata, onde causas idênticas geravam descontentamento igual nas classes populares.

Conforme dados históricos o destino dos judeus decorrentes da expulsão da Espanha:

Local Qtd. de Judeus
Para Turquia 90.000
Para Holanda 25.000
Para Marrocos 20.000
Para França 10.000
Para Itália 10.000
Para América do Norte 5.000
Para Portugal 120.000
Total 280.000
Morreram procurando um lar 20.000
Batizaram-se e permaneceram na Espanha 50.000

A imigração para Portugal
Em Portugal os hebreus eram favorecidos da corte e protegidos da fidalguia, a qual lhes tiravam grandes soldos e rendimentos, além do mais, era um país vizinho e mais perto, havia similaridade da língua e costumes. Por isso, Portugal recebeu o maior número de judeus.

Logo que foi decretada a expulsão, veio a Portugal o velho rabino e último de Gaon ( título dado ao supremo doutor da lei sagrada) de Castela, Isaac Aboab, pedir D. João II, licença para se acolher em Portugal com mais seiscentas famílias. Entre eles se encontrava Abraão Zacuto, astrólogo, que depois foi médico de D. Manoel, estabeleceram-se no Porto, onde veio o rabino mais a falecer. Segundo o autor das “Tribulações de Israel”, Samuel Usque, foram pagos 2 escudos por cabeça como imposto de entrada no país.

Sobre o número de refugiados são igualmente discordes as informações. Samuel Usque, evidentemente que o ouviu da boca dos contemporâneos, só menciona aas seiscentas famílias, sobre as quais versa o contrato. Porém Abraão Zacuto diz que o total seria mais de 120.000 [1] , número este que não destoa dos vinte mil casais, em que havia alguns de dez a doze pessoas, de que fala Damião de Góis [2].

André Bernaldez, cura da povoação de Los Palacios, autor de uma crônica dos Reis Católicos, e quase testemunha ocular cumputa assim as entradas pelas diversas fronteiras:

Local Qtd. de Judeus
Bragança mais de 3.000
Miranda 30.000
Vilar Formoso 35.000
Marvão 15.000
Elvas 10.000

Total, mais de noventa e três mil pessoas que, com as que escaparam por vias ignoradas, podiam preencher cento e vinte mil judeus que vieram para Portugal, somando-se a outro grande número que já viviam em Portugal antes da Expulsão. Historiadores estimam que o total de judeus que passaram habitar em Portugal chegava a quase ¼ da população portuguesa da época.

Uma dolorosa e descabida atitude de D. João II, no intuito de compelir os imigrados à conversão, ou de, pelo menos, trazer os ainda inocentes à fé cristã, foi ordenar que todas as crianças de dois a dez anos fossem tiradas de seus pais, e transportadas à ilha de São Tomé, que havia pouco descoberta, cujos moradores eram lagartos, serpentes e outros muitos bichos selvagens. (relata Samuel Usque em seu livro, cap. 27).

Em 1496, 24 de dezembro, cai sobre os judeus portugueses o decreto de expulsão, pois o Rei venturoso, D. Manuel, da coroa portuguesa acerta casamento com a princesa de Castela, viúva de D. Afonso. Assim, as regras da Inquisição da Espanha passam a valer também em todo o reino português.

Como no tempo de D. João II, surgem as dificuldades para a saída daqueles que não querem mudar de fé. Pela parte de terra, do lado de Espanha, está-lhes a fronteira fechada; por mar, corta-lhes a passagem a má vontade do Governo que não prepara os navios para estes refugiados. Segue-se, então, após tentativas de conversão voluntária, o assalto da gentalha à casa de Estaus, onde um tanto deles se achavam alojados, esperando o embarque, e o forçado batismo dos pertinazes.

Outros que ficavam espalhados pelo reino, cediam ao inelutável; contavam, em seguida à apostasia, esquivar-se. Assim iam fazendo os que tinham recursos pecuniários à proporção que reduziam a contado as fortunas. Fechava-se assim por uma vez a porta à emigração em 1499, e começava a era dos cristãos-novos. Confinados nas judiarias, tinha que se integrar na família portuguesa contra sua própria vontade.

Semelhante fusão não podia realizar-se sem grande resistência, da parte dos coagidos e da população nativa, provocando assim uma reação em cadeia imediata: perseguições e as inquisições do Santo Ofício que durou por mais de três séculos.

Várias atrocidades foram cometidas contra esses judeus, que tinham seus bens confiscados, saqueados, sendo suas mulheres prostituídas e atiradas às chamas das fogueiras e as crianças eram deportadas órfãs para as ilhas da colônia portuguesa.

A situação estava insuportável no ano de 1499. Um milagre precisava urgentemente acontecer. Os portugueses, segundo meu entendimento foram mais perspicazes do que os espanhóis, pois ao invés de expulsar os judeus, proibia-os de deixar o país, a fim de não desmantelar a situação financeira e comercial daquela época, pois os judeus eram prósperos, desenvolvidos na medicina e principalmente, na astrologia e navegação.

Os judeus sefarditas, então, eram obrigados a viver numa situação penosa, pois, por um lado, eram obrigados a confessar a fé cristã e por outro, seus bens eram espoliados, viviam humilhados e confinados naquele país. Voltar para Espanha, de onde haviam sido expulsos em 1492, era impossível, bem como seguir em frente, tendo à vista o imenso oceano Atlântico. O milagre do Mar Vermelho se abrindo, registrado no Livro de Êxodo, precisava acontecer novamente.

Naquele momento de crise, perseguição e desespero, uma porta se abriu: providência divina ou não, um corajoso português rasga o grande oceano com sua esquadra e, em 22 de abril de 1500, o Brasil era oficialmente descoberto.

[1] Cit. Por Kayserling, p. 111
[2] Cron. De D. Manuel, 1ª parte, cap. 10º

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